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Evolução Clin e Cons

Progenitores Tóxicos



Ana Gabriella Assis Duarte Costa*

Psicóloga Clínica, Gestalt Terapeuta, Especialista em Psicologia Hospitalar pelo CRP, Psicóloga na Clínica Evolução. Experiência na saúde mental e no atendimento à comorbidades relacionadas à dependência química.


Temos a ideia de que os progenitores geram filhos e são responsáveis pela criação e educação deles desde o nascimento até seu desenvolvimento, quando se tornam adultos no mundo. Daí surgem diversas características que acreditamos serem fundamentais nas relações estabelecidas pelos progenitores e os seus filhos, dentre elas, propiciar um ambiente cercado de afetos e cuidados, de aprendizagens aonde os progenitores são o pilar para que os filhos possam crescer saudáveis e felizes, capazes de descobrir seu próprios caminhos e escolhas como pessoa.

A expressão progenitores tóxicos é nova em termos de discussão e de maior visibilidade pública nos dias atuais. Está muito presente nos discursos dos jovens quando falam de relacionamentos familiares, porém é algo que sempre esteve presente na humanidade, nas diferentes culturas e nas diferentes formas dos pais e filhos se relacionarem.

Quando se fala em progenitores tóxicos o que se passa na mente é logo uma reflexão sobre que tipos de pais são considerados tóxicos, sejam eles biológicos ou os que desempenham uma responsabilidade e papel na vida de um filho e que de alguma forma afetam todo âmbito familiar. Isso significa dizer que progenitores tóxicos afetam diretamente a vida de um filho, é uma relação pais-filhos que se estabelece com mais disfuncionalidade, isto é, com comportamentos que causam mais sofrimentos e traumas, onde o cuidado, a atenção e o próprio afeto maternal e paternal não são estimulados na vida de uma criança e acabam que sendo substituídos por indiferença, negligência, violência ou mesmo hostilidade. Os filhos crescem em um ambiente de abandono, onde seus direitos muitas vezes são violados por aqueles que deveriam preservá-los de circunstâncias constrangedoras e até intimidadoras, é como se os filhos se tornassem reféns na sua própria família diante desses pais, que ao invés de serem figuras de afeto e proteção, tornam-se instrumentos de opressão verbal ou física nessa relação parental.

A relação tóxica dos pais para com os filhos na infância pode se manifestar pela ausência de cuidados básicos para manutenção da vida de uma criança que vão desde a alimentação, higienização, cuidados corporais e com a saúde e pelos abusos ou maus tratos. Os sentimentos de hostilidade e repugnância podem estar presentes nos pais tóxicos e também pelas atitudes de não valorização desse filho, quando há uma rejeição manifestada em palavras de menos valia, por xingamentos, por apelidos desqualificadores e pejorativos que afetam a autoimagem da criança diante de si mesmo e das outras pessoas, interferindo negativamente na autoestima e na autoconfiança diante dos desafios no dia a dia. Isso traz sérios prejuízos psicossociais e emocionais, que se estendidos à adolescência e à fase adulta causam ainda mais sensação de culpa, impotência e vitimização frente à vida. Grosso modo, é como se fosse uma espécie de bullying que são praticados pelos próprios progenitores, ou por um deles e que deixam marcas profundas na subjetividade do indivíduo.

A literatura tem apontado algumas facetas para se identificar os pais tóxicos, eles privam os filhos de desenvolverem uma personalidade fortalecida e segura, pois a sufocam e introduzem outros conceitos diferentes de amor, carinho e liberdade; eles preparam os filhos para seu bel-prazer, para realizarem apenas suas aspirações e projeções pessoais e podem puni-los severamente quando cometem algo errado ou frustram suas expectativas (FOWARD; BUCK, 1990).

Situações de abusos sexuais e maus tratos experienciados pelos filhos por comportamentos dos progenitores são indicativos da existência de uma relação tóxica nessa família. Nessas situações, os filhos são manipulados pelos pais e obrigados a se submeterem a diferentes tipos de violências psicológicas, sexuais e físicas devido aos medos, aos segredos e às ameaças que tanto ocorrem nessas relações.

O ato de negligência por parte dos pais tóxicos também acontece quando estes se ausentam de suas responsabilidades e se tornam indisponíveis emocionalmente para as necessidades dos filhos, ou de forma intencional ou por estarem adoecidos (mentalmente ou devido à dependência química), delegam às outras pessoas as demandas dos filhos e deixam de participar da construção do vínculo pais-filhos. Nos casos em que os progenitores tóxicos são dependentes químicos e mantém atitudes negligentes constantes com os filhos, pode haver o espaço para o sentimento de abandono e omissão, já que o uso abusivo e prejudicial de substâncias psicoativas desfiguram as responsabilidades destes pais e estes perdem sua dignidade humana, sua autonomia e vivem apenas em torno das drogas e para as drogas. Conforme a prática clínica, é possível observar com muita frequência nos atendimentos psicológicos, os filhos que chegam à terapia marcados pela dor e pelo descompromisso de seus pais, quando não se reconhecem como filhos de seus pais, pois não há um lugar de pertencimento e sim de afastamento e de vazio existencial.

Outra característica dos pais tóxicos está na superproteção. O pensamento de que os pais são perfeitos passa muitas vezes por uma visão ideal de como se deve configurar uma família e da expectativa de como os filhos serão bem recebidos com seu nascimento, crescimento e desenvolvimento, entretanto essa visão ideal nem sempre corresponde à realidade. Sabemos que nos relacionamentos familiares por mais afetuosos que sejam sempre haverá conflitos. Em alguma fase, o pai ou a mãe vai decepcionar o filho, ou os filhos vão frustrar alguma expectativa dos pais, nisso baseia-se uma relação saudável e funcional, quando há acertos e erros no processo de amar, de educar e de criar os filhos e de que o diálogo oportuniza um fértil campo para o compartilhamento de experiências e aprendizagens mútuas dentro de uma família. Contudo, os pais que se prendem a algum aspecto de perfeição dentro do processo de educar seus filhos, podem se tornar tóxicos, à medida que controlam demasiadamente a vida dos filhos, não respeitando sua privacidade, não permitindo fazerem escolhas, tampouco de se responsabilizarem pelos atos e tarefas, de irem conquistando gradativamente autonomia.

Infelizmente a realidade dos progenitores tóxicos é algo que existe e ainda é muito mascarada na sociedade, muitos são os filhos que sofrem no silêncio ou que adoecem por conta dos comportamentos tóxicos nutridos nesse tipo de relação. Alguns destes filhos desencadeiam transtornos mentais em virtude das feridas emocionais geradas nessas vivências.

A experiência clínica possibilitou um olhar mais próximo da dor e da escuta de casos tão fragilizados pela relação tóxica, de filhos depressivos, com transtornos de ansiedade ou mesmo dependentes químicos, que mesmo adultos, traziam intensas dificuldades relacionais, intrapessoais oriundas da sua história de vida e das convivências com os pais tóxicos. Um dos casos mais significativos que acompanhei foi de uma jovem, filha única, de quase trinta anos de idade que teve sua vida paralisada pela depressão profunda, sendo afetada drasticamente pela presença de uma mãe tóxica em sua vida. Esta paciente contava que a mãe “puxava seus cabelos, xingava e tinha sessões de fúria, além de lançar palavras agressivas de insucesso e incompetência na vida da filha”, que ocorriam por causa de situações de discordâncias ou por motivos banais; a mãe nesse caso também sofria de esquizofrenia há anos, mas tinha uma vida ativa. Esse é um, entre tantos outros relatos que aparecem no consultório, nas sessões de terapia e na psiquiatria. Para Cury (2017, p.8) sobre a forma como os pais afetam os filhos, “[...] os pioramos com frequência ao levantar o tom de voz, criticar em excesso, comparar, pressionar. Não mudamos ninguém, mas podemos usar ferramentas de ouro para que eles mesmos se reciclem, reescrevam sua história e dirijam seu próprio script”.

Desse modo, o tratamento e o curar uma vida ferida pelas relações tóxicas engloba delicadeza ao tocar na dor de um filho que viveu tal experiência. É um caminhar junto no processo de revisitação de sua própria historia de vida. É adentrar lugares calcados por diversos sentimentos como raiva, ira, tristeza, agressividade, passividade, medos, angústias e incompreensões que podem emergir nas relações intrafamiliares e que estejam causando prejuízos sociais e emocionais intensos. Mapear e identificar quais prejuízos são e suas amplitudes, também é um instrumento presente na psicoterapia, através do acolhimento, da escuta, que auxilia a pessoa a verificar quais são as possíveis redes de apoio para além do ambiente familiar, sinalizando os grupos de amigos, os grupos sociais e atividades que podem ajudá-la a ter uma reformulação de vida, desenvolver resiliência e trabalhar a inteligência emocional nas diferentes demandas que a vida suscitar.


Referências:

*FOWARD, SUSAN; BUCK, CRAIG. Pais tóxicos: como superar a interferência sufocante e recuperar a liberdade de viver. Tradução de Rose Nânie Pizzinga. Rio de Janeiro: Rocco, 1990.

* CURY, Augusto. 20 regras de ouro para educar filhos e alunos: como formar mentes brilhantes na era da ansiedade. São Paulo: Planeta, 2017.

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