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O simples e vital ato de respirar

Dia Mundial sem Tabaco - 31 de Maio (OMS), a pandemia do Covid-19 e a trágica morte de George Floyd... o simples e vital ato de respirar.



“I can’t breathe“... (*). O dia 31 de maio é marcado como o Dia Mundial de combate ao Tabagismo, exitosa campanha desenvolvida pela OMS envolvendo inúmeros países, entre os quais o Brasil que se destacou pelo sucesso na sua estratégia de combate e prevenção.

Hoje estamos também vivendo a terrível pandemia do Covid-19 com suas terríveis consequências sanitárias e mortes de centenas de milhares de pessoas em todo o mundo. Isolados em casa pela quarentena, somos espectadores angustiados de um cenário que mostra uma das suas mais sérias e graves crises sanitária, social e econômica da história moderna que entre outras doenças, responde pela incrível demanda de leitos de CTI, na maioria das vezes causando superlotação do sistema de saúde, decorrente da severa e grave doença pulmonar aguda com falência respiratória (Síndrome Respiratória Aguda Grave) com alta taxa de letalidade. O mundo parou! Assistimos na TV neste dia 31 de maio, muitos países enfrentando o sufoco dessa pandemia que envolve milhões de pessoas espalhadas pelos quatro cantos do mundo! E o Brasil, depois dos EUA, é o segundo país com maior número de infectados e mortos.

Como se não bastasse tanto sofrimento, hoje estamos assistindo o trágico assassinato de George Floyd, afro-americano desempregado, vítima da brutal ação policial que o matou por asfixia como mostra as fotos dos jornais. A morte do negro na cidade de Minneapolis há cerca de uma semana, foi o estopim para um dos mais graves protestos das últimas décadas desde a morte de Martin Luther King e que vem incendiando dezenas de cidades americanas.

É claro que outros problemas da sociedade moderna, não só a americana, estão sufocando ou asfixiando as pessoas, o que Freud já falava, de certa forma, no seu magistral e atual livro “O Mal-Estar na Civilização” (1930), ressaltando as diversas formas de “sufoco” ou “asfixia” representadas pela desigualdade social, desemprego, dificuldades econômicas, falta de acesso adequado aos serviços de saúde e de educação, de lazer e de bens culturais, entre outras carências de uma vida cidadã com mínimo de qualidade e dignidade possíveis.

Apesar de tudo isso, com certa alegria instintiva por celebrar a linda e brilhante manhã de um domingo de sol, olhando da minha varanda o bonito verde das árvores e os passarinho habituados a vir buscar seu alpiste como café da manhã, consciente de estar há mais de três meses de quarentena (!), não tem como deixar de ficarmos tristes e preocupados com as nossas vidas e com o amanhã... E como será o amanhã? (“pergunte a quem puder...” diz o samba-enredo da Escola da Ilha). Contudo, tomado por esse sentimento ambivalente de me sentir grato por poder desfrutar esta bela manhã e, ao mesmo tempo, consciente da nossa frágil condição humana, me deparo com um instigante poema escrito por um médico pediatra canadense, onde a angústia que sofremos quando temos dificuldade de respirar, “I can’t breathe”, quer seja por doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) resultante do Tabagismo, quer seja pelo grave quadro de pneumonia aguda do Covid-19 (SARS) que nos torna indefesos e vulneráveis, quer seja pela violência exemplificada no caso da asfixia provocada pelo joelho do policial americano sobre o pescoço do George Floyd, enfim, quer seja por tantos outros problemas que nos sufocam durante nossa existência. Vale considerar que desde o nosso nascimento experimentamos, sem perceber (?!), que passamos ao nascer na hora do parto por dramático momento de asfixia. Ficamos alguns instantes sem respirar (!!), sentimento de uma evidente ameaça de morte iminente, quando do corte do cordão umbilical que nos separa da mãe. Aqui podemos ter uma percepção do quanto dependemos do ar, do oxigênio, enfim do Meio Ambiente que nosso “Admirável Mundo Novo” (A. Huxley) teima em degradar.

Neste momento pelo qual estamos passando agora, é da maior importância chamar a atenção para essa interessante convergência: o elo comum entre os quadros referentes as angústias respiratórias como nos adverte o providencial texto do citado poema. Essa delicada e vulnerável condição da dificuldade respiratória comum às três situações em a falta de oxigênio (O2) nos leva a morte seja também uma advertência para tomada de consciência das mazelas que provocamos, sem perceber, que estamos produzindo no nosso indefeso planeta. Assim, algo impactado ao ler este texto do médico canadense, fui levado a fazer essas considerações contextualizando a relação entre os acontecimentos citados. De certo modo, o desfecho final comum é a morte marcada pela asfixia ou falência respiratória. E aí, voltando para a questão do Tabagismo, fica evidente que o ato de fumar ou inspirar a fumaça a cada tragada, significa jogar para os pulmões uma mistura rica em gás carbônico (CO2) e pobre em oxigênio (O2), no sentido “inverso do recomendado pela natureza”. Desta maneira, fumar vinte cigarros por dia, por meses e anos a fio, representa o processo de “asfixia anunciada” como vemos na prática clínica os pacientes com enfisema ou DPOC, condição comum do Tabagismo. A fumaça como se sabe, impregnada de tantas outras substancias tóxicas e cancerígenas, provoca outras patologias respiratórias e, por extensão, face ao conflito da hipóxia de longo tempo, o organismo em alerta responde com taquicardia e aumento da pressão para dar conta da carência de oxigênio. É como se o indivíduo subisse no topo de uma alta montanha onde a densidade de O2 rarefeita: aumento da frequência cardíaca e aumento da pressão arterial. Outra consequência da “asfixia anunciada” resultante da inspiração cotidiana da fumaça do cigarro é a insuficiência vascular periférica resultante da irrigação distal devido às “hemácias intoxicadas de CO2”, e pobres de O2 pois não foi permitida a devida troca nos alvéolos em que elas, as hemácias, jogariam fora o CO2 e receberia o O2, como manda a sábia natureza.

Portanto, ler esse poema no Dia Mundial sem Tabaco me ajudou a religar estes três eventos: as mortes pela grave pneumonia do Covid-19, a morte por asfixia do negro americano e as mortes por doença pulmonar do Tabagismo que como efeito colateral leva à morte por doenças cardio-vasculares conhecidas destes pacientes. Com bases em evidências clínicas podemos dizer que tanto o Tabagismo, quanto o Covid-19 e a violenta morte de George Floyd foram resultados da “falta de ar” ou de oxigênio. Daí ser este poema um retrato desse triste momento que estamos vivendo, mas serve para nos ajudar a tomar aguda consciência de que respirar ou inspirar O2 e não CO2 nos leva a valorizar a vida dos homens da sociedade e do meio ambiente. Não que com isso resolvamos os grandes problemas que resultam no “mal-estar da civilização”, mas nos ajudará a minimizar a nossa insustentável leveza de ser e prosseguir nossa trajetória.

“I can’t breathe”... too.

Dr. José Mauro Braz de Lima, PhD.

(Médico-Neurologista, Diretor Médico da Clínica Evolução)

e-mail: jmbl@globo.com (21) 22057223 ou 38266705;

(*) Poema do Dr. DZung Vo, pediatra de Vancouver/Canada (divulgado na Rede Social):

“I cant breathe / Said George Floyd / The knee of four hundred years of racism / on his neck,

I can’t breathe / said the Young man /poisoned by a toxic drug supply / and generations of trauma and loss,

I can’t breathe / said the one hundred Thousand / dead americans a nation and a world in this morning,

I can’t breathe / said cities choked in smoke / from a planet on fire,

breathe my dear / said the Buddha o four time / reminding uso f the way / to loveand healing and transformation,

breathe my dear / said the beloved community / grieving and and waking up together,

breathe my dear / said mother Earth / and let my oceans, mountains / and forests embrace you,

right now / when it seems so hard just to breathe, right now / just breathe...”

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