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Consumo de Álcool entre as Mulheres: um desafio de saúde pública (e urgente).

O Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, foi reconhecido oficialmente pela ONU em 1977. Desde então, esta data vem se consolidando através das diversas conquistas dos movimentos feministas ao longo de todo o séc. XX. Nas últimas décadas, as mulheres, ao se tornarem mais protagonistas e participativas do ambiente de trabalho, além dos peculiares afazeres domésticos relativos aos cuidados com a casa e com os filhos (carga extra de trabalho), passaram, também, a estar mais expostas aos fatores de risco, como os homens, relativos ao stress do ambiente de trabalho: modo de vida competitivo, agitado, tenso, apressado, violento, transporte, alimentação, etc...

 

Deste modo, doenças e distúrbios relacionados a essa situação de risco passaram a fazer parte da vida dessas mulheres, aumentando a carga sobre o Sistema de Saúde e sobre os custos das famílias e dos governos em geral. Assim, entre as essas enfermidades mais comuns, cabe destacar: ansiedade, depressão, irritabilidade, distúrbio do sono, doenças do coração, diabetes, sobrepeso, obesidade, insônia, hipertensão, distúrbios gastrointestinais, consumo de álcool e de outras drogas e medicamentos, entre outras.


Uma condição que vem sendo motivo de relevante preocupação em nosso país é o aumento significativo do consumo de bebidas alcoólicas observado entre as mulheres, com a agravante de que são as mais jovens que predominam nas estatísticas. De acordo com os dados de estudos e pesquisas do Ministério da Saúde (DataSUS), do II Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (CEBRID, 2005) realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo e do II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD, 2013) - UNIAD-UNIFESP, esse aumento, sobretudo de cerveja, na última década foi de cerca de 30%, entre mulheres e jovens em geral, ao passo que entre os homens esse aumento foi bem menor, ficando em torno de 10%.

 

Embora o aumento do consumo de álcool pelo público feminino tenha crescido em outros países, no Brasil é mais preocupante face às carências crônicas do Sistema de Saúde, público e/ou privado, e a pouca atenção das políticas de atenção e de prevenção do consumo de álcool e de outras drogas nas empresas, salvo exceções.

 

Por outro lado, facilmente podemos constatar que, na atualidade, o que era comum entre os homens, mulheres em grupo ou sozinhas, sentadas em mesas ou nos balcões consumindo bebidas alcoólicas, principalmente cerveja por serem consideradas, erroneamente, mais leves. Essas cenas vêm se tornando cada vez mais comuns não só em grandes cidades, como Rio e São Paulo, mas em grande parte das cidades brasileiras. Há cerca de 20 anos atrás, a proporção de alcoolismo pesado (alcoolismo crônico) entre homens e mulheres era de 10 para 1, hoje essa proporção é de quase de 2 para 1.

 

Cabe aqui destacar um aspecto de especial relevância para entender melhor esse fenômeno: o Brasil se coloca entre os maiores produtores mundiais de bebidas alcoólicas. Figura com um dos principais na produção de destilados (cachaça, uísque, vodka,...) e 3º produtor mundial de cerveja (cerca de 15 bilhões de litros/ano - 2015). Soma-se a isso o fato de no Brasil a propaganda maciça da indústria de cerveja pesar, sobremaneira, na divulgação e estímulo para esse elevado consumo registrado nos últimos anos.

 

Os jovens são o principal alvo do agressivo marketing, em que pese a Lei nº 9.294/1996 que proíbe propaganda de bebidas alcoólicas no horário comercial. As autoridades de saúde e de controle sanitário não parecem perceber ou parecem não se incomodar como deveria, por tal questão de saúde pública e de segurança em geral. O próprio órgão de defesa do consumidor (Procom - CDC) teria elementos de evidência para interferir na prevenção de problemas relacionados ao consumo abusivo.

 

No entanto, a própria Sociedade não se manifesta em relação a esse fato. Neste sentido, cabe relatar a respeito de contratos realizados por algumas Prefeituras com a indústria de cerveja para financiar o Carnaval (“numa boa”!), como pode-se ver nos blocos de ruas e a distribuição de determinadas marcas, além da proposta de se liberar o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol (naturalmente, as cervejas ditas “bebidas mais leves”). Em todos esses cenários, as mulheres estão presentes. 


Segundo o IBGE, nos primeiros 15 anos do sec. XXI, a população brasileira cresceu cerca de 30%, passando de 150 para pouco mais de 200 milhões de habitantes. Nesse mesmo período, a produção da indústria de cerveja, por exemplo, cresceu mais de 200%, passando dos 5,0 bilhões (2002) para mais de 15 bilhões de litros/ano (2015), expandindo seu parque industrial por muitos pontos estratégicos do país, algumas vezes com incentivos fiscais de entes públicos.

 

Como consequência desse movimento, observamos um real aumento do consumo per capita, sendo o segmento dos jovens e das mulheres que mais contribuíram para esse expressivo aumento. Não é por mero acaso que a indústria de bebidas alcoólicas, principalmente de cerveja, continua crescendo apesar do baixo crescimento econômico do país registrado nos últimos anos. Por outro lado, também não por mero acaso que entre os maiores bilionários do Brasil, segundo a Revista Forbes, figuram principais donos dessa indústria conforme a mídia. 


Se considerarmos a população feminina e de jovens podemos estimar que o consumo relativo, aumentou bem acima da média, ou seja, cerca de 200% (!). Assim, a advertência “Beba com moderação” não parece ter tido qualquer efeito para minimizar as consequências e os prejuízos do alcoolismo como se pode constatar nos ambulatórios e consultório das Clínicas especializadas e dos serviços médicos em geral, incluindo as emergências com os acidentes de trânsito e a violência urbana relacionada ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas.

 

Embora, alguns países desenvolvidos com elevado padrão de consumo semelhante ao Brasil (EUA, França, Inglaterra, Espanha, etc...), sofram com as consequências do alcoolismo, nosso problema é a deficiente rede de serviços de cuidados de saúde. Os custos de saúde secundários do Alcoolismo representam elevados custos para os cofres públicos e privados. Em uma estimativa aproximada, considerando diversos aspectos, podemos dizer que os custos globais do Alcoolismo no Brasil, alcançam a cifra de 5% do nosso PIB, ou seja, em torno de R$ 300 bilhões (!). Bem mais do que os gastos relativos de países com problemas semelhantes aos nossos. 


Certo de que o Alcoolismo representa sério problema de Saúde Pública em geral, no caso das mulheres tem algumas peculiaridades relativas às questões de gênero. De fato, as mulheres apresentam certa vulnerabilidade biológica (neuro-) em relação ao álcool, embora o metabolismo do etanol seja semelhante ao do homem. Por fatores bio-psico-sociais, as manifestações clínicas e neuro-comportamentais se manifestam com algumas diferenças: maior suscetibilidade aos efeitos e menor resistência orgânica ao álcool.

 

Os sintomas decorrentes da ação toxi-metabólica são semelhantes aos apresentados pelos homens: polineuropatia, hepatopatia tóxica (esteatose ou cirrose), miocardiopatia, encefalopatia tóxica aguda ou crônica, entre outras manifestações. Contudo, com o passar dos próximos anos é que vamos ter melhor ideia face ao número maior de alcoolistas femininas que já podem ser imaginado a partir de hoje. 


No ano passado, foi publicada em uma revista semanal de grande circulação a reportagem de capa “Mulheres que Bebem Demais”, resultado desse importante aumento de consumo de álcool jamais observado antes. As consequências e prejuízos do Alcoolismo feminino não diferem muito do que já se sabe sobre o alcoolismo masculino, que já é grande, contudo, cabe destacar questões peculiares.

 

Dentre essas, uma questão importante e delicada no âmbito da Saúde Materno Infantil, deveria chamar a atenção: consumo de bebidas alcoólicas por mulheres grávidas. Neste caso, a preocupação é com os efeitos teratogênicos fetais que representam uma das causas mais frequentes de malformações e de deficiências neuro-cognitivas em crianças: a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), subestimada por profissionais e autoridades que tratam da Saúde Materno-Infantil. No Brasil, estima-se que a cada hora, nasçam 3 crianças portadoras de SAF, ou seja, cerca de 30 mil por ano, índice bastante elevado e que pode ser drasticamente diminuído através de Políticas Públicas consistentes (“Se beber não engravide, se engravidar não beba”). 


Portanto, o aumento de consumo de álcool entre as mulheres que nos últimos anos, vem sendo motivo de relevante e inadiável preocupação, a exemplo de alguns países com elevado padrão de consumo de álcool, não pode deixar de ser parte prioritária das ações de atenção e de cuidados de saúde sob a responsabilidade das autoridades pelo Sistema de Saúde Pública do país. Neste sentido, se fazem necessários mais estudos e pesquisas sobre esse assunto com objetivo de elaborar e implementar ações e estratégias de enfrentamento, de informação e de educação, de atendimento e de prevenção, sobretudo, para os jovens e mulheres especialmente. 


No que tange às gestantes, precisamos oferecer mais acesso e meios adequados de atendimento na rede pública (e privada) e de assistência médico-social, em face da enorme e crescente demanda de cuidados pertinentes para além da questão de gênero. Do ponto de vista da Saúde Pública, esse singular fenômeno representado pelo impressionante crescimento da participação feminina no consumo de bebidas alcoólicas consiste em um grande desafio da atualidade não só para autoridades de Governos, mas para todas as entidades e instituições envolvidas com saúde e segurança social. 


O Brasil precisa olhar com maior atenção as doenças e distúrbios relacionados ao consumo de álcool e de outras drogas (PRADs) que afligem a todos em geral, em especial, a população feminina jovem que deve merecer cuidados especiais. Resta-nos, portanto, enfrentar logo esses desafios antes que se tornem maiores do que já são.

 

Dr. José Mauro Braz de Lima, PhD 
Médico Neurologista; 
Professor Associado de Medicina da UFRJ (aposentado); 
Pós Doutorado em Neurociências – Universidade de Paris; 
Especialista em Problemas Relacionados em Álcool e outras Drogas; 
Diretor Médico da Evolução Clínica e Consultoria – Rio de Janeiro 

 

Embora o aumento do consumo de álcool pelo público feminino tenha crescido em outros países, no Brasil é mais preocupante face às carências crônicas do Sistema de Saúde, público e/ou privado, e a pouca atenção das políticas de atenção e de prevenção do consumo de álcool e de outras drogas nas empresas, salvo exceções.

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